11/12/2021

Pesquisador comenta fenômeno da uberização e novos arranjos de trabalho

É comum hoje em dia solicitar pedidos via aplicativos, locomover-se por meio de aplicativos ou até mesmo fazer compras online e pedir que sejam entregues em casa. Toda essa comodidade, no entanto, traz consigo um cenário complexo e desafiador para quem está do outro lado, ou seja, do entregador.

A uberização, neologismo que tem como origem o nome de uma grande plataforma de transportes e entregas, diz respeito a uma nova forma de organizar o trabalho, que entre as muitas nuances, fragiliza as relações trabalhistas e expõe pessoas a longas e extenuantes jornadas que por vezes não se traduzem em salário digno.

A uberização foi tema do encontro do Cinema e Jornalismo: Luzes sobre São Paulo deste sábado, 04/12, que contou com a participação do pesquisador e professor Marco Gonsales, da Unicamp.

Com o filme "Quem saiu para a entrega" como subtexto, os participantes se propuseram a refletir sobre o cenário vivido por entregadores brasileiros na prestação de serviços vinculados a plataformas como Uber, iFood, Rappi, entre outras. Filmado inteiramente na vertical, o curta documentário é fruto de um trabalho de conclusão de curso de alunos da Universidade Federal de Santa Catarina e Universidade Federal de Santa Maria, ambas no sul do país.

Acompanhando a rotina de cinco entregadores, o documentário é um relato das vivências desses trabalhadores durante o período de pandemia e uma mostra de como funciona esse tipo de serviço.

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Trazendo um panorama histórico que remete à revolução industrial, Marco Gonsales apontou que o que os trabalhadores vivem hoje é uma extensa precarização e um desmonte da garantia de direitos conquistados nos últimos anos. Isso graças a um espírito competitivo entre as diferentes plataformas de serviços e ao próprio sistema capitalista, que segundo explicou o professor, se aproveita das crises econômicas e dos quadros de desemprego.

"As empresas perceberam que para se dar bem nesse sistema, a tecnologia é uma saída. A tecnologia permite baratear [custos] e entrar em novos mercados. As empresas precisam, para ganhar de outras instituições, baratear o custo de produção – ainda mais quando falamos de serviços – é uma nova organização do trabalho que começou nos serviços. Esse processo de uso de uma nova tecnologia de serviço mais barato, depende também de pagar menos para o trabalhador. O motorista de hoje ganha menos que o motoboy de outrora", pontuou.

Dentro deste contexto de novas ferramentas, a tecnologia figura como um papel central do arranjo trabalhista atual. Gonsales afirma que o uso da tecnologia permite que as empresas ganhem vantagens umas sobre as outras. O pesquisador pontua que, no capitalismo, as empresas sempre estão investindo em tecnologia porque é dessa forma que conseguirão vencer a competição.

"Essas empresas, além de criar a tecnologia, conseguiram criar um discurso de fomentar uma ideia digamos que camufla o assalariamento. Empresas que ganham por meio informal e que não pagam os direitos conquistados ao longo dos anos. Hoje está claro para a gente, tanto nas pesquisas quanto para os entregadores, que eles não são empreendedores parceiros, eles têm que trabalhar 15 ou 16 horas por dia para ganhar o que os taxistas ganham há tempos atrás", ressaltou Gonsales.

Na organização de trabalho por aplicativos, essas empresas investem no discurso de autonomia e parceria. No entanto, os trabalhadores costumam receber por entrega realizada e não por tempo trabalhado, o que pode significar um valor irrisório ao final do dia.

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Na Inglaterra no começo desse ano a suprema corte decidiu que os trabalhadores da Uber são empregados e não autônomos. Um profissional autônomo pode decidir quando trabalha ou com qual cliente trabalha, porém ao se vincular a essas empresas não é bem isso que acontece. "Se você não fizer x entregas por dia, você é desligado. Quem define o preço são as empresas, quem define as entregas são as empresas, então não tem autonomia", comenta Gonsales.

Por ser um estudioso da área, Gonsales ressalta que a "uberização" não se limita ao transporte ou entrega, e que já reconhece uma expansão desse mesmo modelo para outras áreas de atuação, como os trabalhos que são realizados digitalmente.


O professor Marco Gonsales em entrevista com repórteres do futuro.

Por conta de suas pesquisas, o professor se cadastrou em algumas plataformas de entrega para sentir na pele como vivem e pelo que passam os entregadores de aplicativos. Foram quinze dias de trabalho, sendo os cinco primeiros sem receber sequer um pedido ou chamado. "Essa ideia de que dá pra tirar um troco é uma mentira. Eu ganhei 168 reais. Eu tive prejuízo. O cansaço é incrível", afirmou.

Sobre o aumento no número de cadastrados nessas plataformas, principalmente durante a pandemia, o pesquisador afirma que isso se deve ao fato de que o capitalismo depende do desemprego para manter o circuito girando.

"Ao fim e ao cabo o desemprego serve para manter aqueles que estão empregados quietos, e também para baratear os custos daqueles que querem um emprego. Não existe capitalismo sem desemprego. É uma maneira de colocar ordem", disse. Para ele, essas empresas estão se aproveitando de um mundo pós crise onde o desemprego é muito grande. Ele também afirmou que essas empresas estão se aproveitando do capitalismo para explorar pessoas que estão em desespero por uma renda.

O curso Cinema e Jornalismo: Luzes sobre São Paulo faz parte do Projeto Repórter do Futuro, e é promovido pelo Instituto de Formação, Pesquisa e Difusão em Políticas Públicas e Sociais (IPFD) em parceria com a OBORÉ e apoio da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo por meio de emenda parlamentar do vereador Eliseu Gabriel, presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara Municipal de São Paulo.

Cronograma

Os encontros ocorrem desde 6 de novembro e prosseguem até 29 de janeiro, sempre aos sábados, das 10h às 12h30.

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