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Pronunciamento na Câmara dos Deputados

Aldo Rebelo*

Faleceu, no último dia 10, aos 52 anos, o médico sanitarista David Capistrano Filho, prefeito de Santos no período de 1993 a 1996. O Brasil perdeu um dos seus mais consistentes e competentes ativistas no campo da saúde, um grande brasileiro que, com um trabalho discreto mas profundo, merece figurar na galeria dos médicos que enalteceram este País, como Samuel Pessoa ou Osvaldo Cruz. Como eles, David Capistrano Filho foi um soldado da causa pública, um devotado servidor só preocupado com o bem-estar da população.

Ativista político, desde cedo seguiu os passos do pai, o deputado David Capistrano, um dos numerosos oposicionistas brasileiros assassinados pela repressão política nos anos 70. Pernambucano do Recife, David Capistrano Filho formou-se pela Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro. Engajado nas lutas nacionais e democráticas, entrou para o Partido dos Trabalhadores, elegeu-se prefeito e contribuiu, juntamente com sua antecessora Telma de Sousa, para devolver à importante cidade de Santos a imponência urbana que estava ameaçada por causa da degradação sanitária e da precariedade dos serviços públicos.

A trajetória de David Capistrano Filho foi reconhecida e homenageada pelo jornalista Luis Nassif, na Folha de S.Paulo de hoje, com o artigo "O guerreiro da saúde", cuja transcrição nos anais desta casa eu solicito como demonstração de que o Brasil deve cultuar a obra e a memória dos filhos do povo que só ao povo serviram:


LUÍS NASSIF

O guerreiro da saúde Com a morte de David Capistrano Filho, não desaparece apenas o ex-prefeito de Santos, o ex-militante do PCB que ousou, nos anos negros da ditadura, enfrentar não só a repressão dos militares como o patrulhamento dos esquerdistas juvenis do movimento universitário, que não admitiam políticas de aliança.

Também a luta pela saúde do brasileiro perde um de seus guerreiros mais relevantes. Desde os anos 80, a saúde formou a mais relevante bancada de congressistas, juntando políticos e personalidades de diversas facções. Os sanitaristas brasileiros forneceram as idéias, a luta, o trabalho diário que ecoava por todas as consciências de homens públicos responsáveis. Não bastava apenas a consciência, era preciso o método e a criatividade para buscar formas sociais e baratas de levar a saúde ao povo.

Dentre todos, David Capistrano foi o principal estimulador das novas práticas de saúde. Em Santos, revolucionou o sistema de saúde. Depois, todas as grandes personalidades públicas da saúde -do ex-ministro Adib Jatene ao atual, José Serra- foram buscar em David as idéias e o apoio. E ele se atirou à empreitada com denodo, mesmo com a saúde abalada por anos de luta contra o câncer. Tantos problemas enfrentou que o que o mantinha vivo eram apenas os ideais.

Foi o principal incentivador do médico de família -programa no qual um médico se responsabiliza pelo acompanhamento de centenas de famílias-, das salas de parto -estruturas simples, com enfermeiras parteiras, para atender a periferia. Na recente onda petista, de vitória nas últimas eleições, certamente seria o elemento ideal para levar esses conceitos às novas prefeituras. O último encontro pessoal que tive com David foi no início do ano passado, em um almoço para ele falar sobre o programa "médico de família". Embora já abalado pela doença, falou com entusiasmo sobre os resultados alcançados.

A crise cambial do início do ano acabou desviando minha atenção para temas mais prosaicos, e não escrevi a coluna. Meses atrás, quando se preparava para o transplante do fígado, sabendo da gravidade da operação, escrevi pequena nota em sua homenagem.

Ele ligou meio assustado, querendo saber o motivo da nota. Disfarcei. Disse apenas que me deu vontade de homenagear um homem público exemplar. O sentido de irrelevância que marca a cobertura diária da mídia jamais conferiu a David -e à saúde- o espaço que merecia. Em geral, o destaque maior é para os profetas do curto prazo, especialmente aqueles que jamais conseguirão avançar além da mera visão fiscal da história.

Então é bom que se diga em alto e bom tom: o país perdeu um grande brasileiro, um membro da pequena elite de cidadãos e homens públicos que teimaram em construir uma pátria.


*Deputado Federal (PC do B/SP)



Fonte: Pronunciamento no plenário da Câmara dos Deputados (Brasília), em 14.11.2000